DIVERSIDADE E INCLUSÃO

PIONEIROS INESPERADOS: UMA NOVA GERAÇÃO DE MARIMBISTAS

Entrevistas com Calum Huggan e Le Yu por Andrew Pasquier. Fotografias: Rachel Israela & Fede Reyes

Calum Huggan e Le Yu são campeões de uma marca mais pessoal de musicalidade clássica. Favorecem a conectividade acima do tradicionalismo, os dois marimbas solo do Reino Unido – ambos artistas da Yamaha – representam uma nova geração de músicos que abraçam a sua identidade em palco. Com isto, os mestres percussionistas esperam expandir tanto o apelo ao seu instrumento quanto à música clássica, em geral.

“Acho que é muito que importante que o público sinta que nos conhece, entenda de onde vimos e qual a nossa ambição”, explica Le Yu nos estúdios Campbell, em Londres. “Quero que as pessoas entendam que músico clássico não é só aquela pessoa muito séria e de laçarote… somos seres humanos: vou às compras, vou jantar com meus amigos, vou a discotecas.” Le Yu, um nativo da China que se mudou para o Reino Unido para estudar percussão há uma década e meia, traz este espírito de proximidade nos seus canais de social media e em tour. Entusiasta de moda, assumido, Le Yu fez parceria com um designer da Central Saint Martins para ‘vestir’ a sua última tour pela China com peças especialmente desenhadas, inspiradas no seu repertório. Para Libertango – uma obra dramática em cascata, do compositor argentino Astor Piazzola – Le Yu surgiu em palco com um laçarote inusitado e uma camisa de seda vermelha, fazendo referência tanto à sua herança chinesa quanto ao seu género ‘flamejante’. “Moda e música andam sempre juntas na música pop - por que não na música clássica?”

Huggan, um premiado artista de marimba vindo da Escócia, também imprime a sua personalidade nas suas atuações ao vivo, na esperança de quebrar barreiras que muitas vezes distanciam os ouvintes dos músicos clássicos em palco. Algumas das suas táticas incluem sentar o público em seu redor, preparar peças acessíveis e - o mais importante - falar diretamente com o público sobre o seu trabalho. “Quero criar uma marca, enquanto artista. Quero que as pessoas entendam quem eu sou – isso é muito importante”, explica Huggan. Em vez da vénia habitual, ele agradece pessoalmente ao público depois de cada peça, contando histórias sobre si mesmo e sobre o seu repertório. No ano passado, Huggan lançou o seu primeiro álbum, American Music for Marimba, no qual apresenta novos trabalhos solo para o instrumento, pela editora escocesa Delphian Records. Enquanto adição relativamente nova à tradição orquestral e de câmara ocidental, a marimba possui um repertório em expansão que fala às raízes do instrumento na América Latina e África. Livres da longa história composicional como outros instrumentistas, os marimbistas têm uma grande liberdade de experimentação com as suas baquetas. No seu recente álbum, Huggan teve o privilégio de trabalhar com um grupo variado de compositores vivos. “A música sempre foi uma maneira incrível de grupos marginalizados transmitirem diferentes expressões e emoções - muita ansiedade e medo, mas também esperança.”

Embora os novos trabalhos de lançamento certamente mostrem as habilidades técnicas de Huggan, as escolhas também destacam o apelo da marimba fora dos círculos clássicos. Quando um crítico comentou "quase soa como Coldplay", Huggan interpretou isso como um elogio indireto. “De uma perspetiva clássica, o comentário provavelmente soa a snob, mas para mim isso significa que consegui algo bom. Não se trata de ser reconhecido apenas pelas habilidades técnicas. O que temos para dizer nas atuações?”

NO QUE TOCA À PERSONALIDADE, SIMPLESMENTE, NÃO TENHO MEDO DE SER EU.”

– Calum Hugan

Embora não seja segredo que a falta de diversidade é um problema contínuo na música clássica - não apenas no que respeita ao público, mas também entre os músicos - Huggan e Le Yu vêem-se como parte de uma mudança que é bem-vinda, em direção a uma maior representação de identidades não normativas nas salas de espetáculo. “Como artista, tive dificuldades porque, antes da minha carreira solo na marimba, trabalhei como freelancer em muitas orquestras em todo o Reino Unido e nunca me vi representado como um artista queer”, admite Huggan. “Isso não aconteceu – especialmente na percussão, que é tipicamente uma área dominada por homens, cis e heterossexuais.” No entanto, alguns meses atrás, como sinal de mudança, atuou pela primeira vez com uma seção de percussão totalmente queer. “Foi muito especial - o tipo de momento que vou gritar aos sete ventos, principalmente nas redes sociais”. Embora as hierarquias dentro de uma orquestra possam desencorajar os músicos mais jovens de expor seus problemas, Huggan leva a sério a voz da mudança no espaço da música clássica: “Em termos de personalidade, simplesmente, não tenho medo de ser eu”.

Quando era adolescente, Le Yu sentiu-se pela primeira vez inspirado a seguir a percussão, ao ver dois bateristas que brilharam numa celebração do Ano Novo Chinês transmitida na TV nacional. Com o seu amor pela marimba a guiá-lo pelo mundo até ao conservatório no Reino Unido, Le Yu está especialmente consciente do poder que tem com as suas tours internacionais, de inspirar uma nova geração de marimbas e amantes da música clássica. Questionado sobre as diferenças entre atuar na China e no Reino Unido, Le Yu refere que “no Ocidente, o público em geral costuma ser muito maduro, dificilmente vemos jovens!” Enquanto o público mais velho traz consigo conhecimento e expectativas, o público mais jovem na China “tem a mente realmente aberta para entender a música”. Na sua mais recente tour, em 2021, Le Yu reparou que na China “parece que muitas pessoas estão a assumir-se agora. Há bares gays e tudo; Não sinto que seja algo que me deva gerar preocupação ou medo.” Ele espera que a sua presença confiante na tour faça com que uma nova geração de músicos sinta que é visto e se sinta confortável. “Sei que tantas pessoas percussionistas na China são provavelmente como eu, mas estão apenas preocupadas ou com medo de se assumir. Quando estou lá, acho que é uma mensagem.”

Embora as seções de percussão sejam frequentemente vistas como bastiões masculinos dentro da orquestra, tanto Huggan quanto Le Yu argumentam que a marimba é, de forma um tanto inesperada, uma exceção pioneira. Keiko Abe, de 85 anos, a chamada “rainha da marimba”, revolucionou o design da marimba e a técnica de tocar, desenvolvendo a moderna marimba de concerto de cinco oitavas em colaboração com a Yamaha, em meados do século XX. Mais tarde, o primeiro grande artista solo de marimba foi outra mulher, Dame Evelyn Glennie. Surda desde a infância, Glennie contou com a sensação de vibrações para lançar uma carreira de sucesso de uma década, na qual ganhou três Grammys e até atuou na cerimónia de abertura das Olimpíadas de Londres em 2012. “As pessoas pensam que provavelmente é preciso ser homem para poder segurar os pratos” ri Le Yu. "Mas não! Isso é percepção versus realidade. Acho que qualquer um pode tocar instrumentos de percussão”.

“QUANDO TOCO, PENSO, PRIMEIRO, EM SER ARTISTA. EM SEGUNDO, PENSO EM SER UM MÚSICO - NÃO SOBRE OS INSTRUMENTOS, MAS SOBRE A MÚSICA QUE ESTOU A TOCAR PARA O PÚBLICO. A ÚLTIMA COISA EM QUE PENSO É MINHA HABILIDADE TÉCNICA COMO PERCUSSIONISTA.”

– Le Yu

Apesar da produção impressionante de ambos os artistas, o virtuosismo da marimba ainda é pouco conhecido tanto pelo público em geral como entre muitos ouvintes de música clássica de escola. Refletindo sobre este duplo desafio, Le Yu enfatiza a necessidade de se focar na conexão com o público, em vez de ir ao encontro das suas expectativas. “Penso primeiro em ser artista quando toco. Em segundo lugar, penso em ser músico - não nos instrumentos, mas na música que toco para o público. A última coisa em que penso é na minha habilidade técnica como percussionista.” Para que novas formas de música clássica ressoem no século 21, os dois artistas vêem a importância de questionar as normas de gênero. A abordagem otimista e pessoal de Le Yu e Huggan à percussão oferece uma maneira inspiradora de expandir a comunidade e o diálogo.

Autor:

Andrew Pasquier é um jornalista freelance da comunidade LGBTQ+ interessado em arte, música e arquitetura. Ele tocou trompa, da Yamaha, por mais de uma década.

Estilismo: Patrícia Machadom

Cabelo e Maquilhagem: Cassandra Scalia

Design de Cenário: Bronte Carter

Produção: fuenfvierteltakt, Taboo