Entrevistas Yamaha Make Waves : Rosie Axon
Por Julian Marszalek
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Tal é o poder e a natureza profundamente marcante da música que, muitas vezes, demora tempo dar sentido ao seu efeito e ao caminho para onde nos está a levar. Assim, embora nem todos os que estão aprisionados no seu feitiço se venham a tornar músicos de classe mundial ou superestrelas, há aqueles que reconhecem a sua influência e a forma como esta pode ser usada para criar vagas, além do prazer e do entretenimento, que extravasam para áreas que incluem a saúde e a cura.
Rosie Axon, a fundadora e directora administrativa da organização Chiltern Music Therapy, de Chesham, é um exemplo disso mesmo. Prestes a celebrar o seu décimo aniversário, a Chiltern é uma premiada organização sem fins lucrativos, especializada em terapia musical. Entre os seus muitos serviços especializados de comprovada musicoterapia, o consórcio fornece tratamentos de Musicoterapia Neurológica (MTN), MATADOC (Music Therapy Assessment Tool in Awareness for Disorders of Consciousness) e Serviços de Musicoterapia Neonatal. Empregando a maior equipa de musicoterapeutas do Reino Unido, os serviços da Chiltern estendem-se para além da sua base operativa, nos Home Counties [os condados que circundam a grande Londres], até às Midlands [a região da antiga Mércia, no centro da ilha], ao Norte e ao Sul de Inglaterra.
«Quando começámos, há 10 anos atrás, esforçámo-nos por provar a eficácia da musicoterapia», explica Rosie. «É uma ocupação aliada da saúde, situamo-nos ao lado da fala e da linguagem, da terapia ocupacional e fisioterapia. Muitas pessoas ficam bastante surpreendidas com isso, porque tem a palavra "música" na designação, enquanto que a fala funciona com comunicação verbal e a fisioterapia com movimento. Na terapia musical trabalhamos com tudo, desde o bem-estar emocional até às dificuldades físicas, passando pela fala e comunicação».
Falar com Rosie Axon é encontrar uma autêntica força da natureza. A sua dedicação à musicoterapia é amplamente evidente e é impossível não dar por nós envolvidos pelo seu entusiasmo e na crença naquilo que faz e alcança. Estamos diante de alguém com um impacto substantivo naqueles cujas vidas foram dramaticamente alteradas por questões de saúde.
Mas o que é que a trouxe até aqui?
Nascida em High Wycombe, Buckinghamshire, em 1981, Rosie ligou-se à música ainda criança, embora o caminho para o seu destino atual, ainda que gratificante, se revelasse sinuoso.
«Ambos os meus avós eram pianistas e organistas bastante prolíficos, por isso havia muita música ao vivo na família», recorda. «O meu irmão é um excelente músico de jazz e a minha mãe toca umas coisitas».
Ao pegar no piano e na flauta numa idade precoce, Rosie sentiu-se frustrada por não ser capaz de explorar as alegrias de tocar música com outros além dos limites da orquestra da escola.
«Não tive a oportunidade, enquanto adolescente, de me juntar a uma banda ou fazer qualquer uma dessas coisas até chegar à universidade em Liverpool, onde aconteceu toda uma série de oportunidades», diz.
Ao estudar a cadeira Inglês & Música, Rosie cedo reconheceu que a sua dedicação ao piano estava aquém do mínimo exigido a um pianista profissional.
E no entanto, apesar de tudo, o bichinho da música nunca a largou.
Ao perceber que a música era parte integrante da sua vida, tinha de descobrir o seu lugar nela, já que ser executante deixara de ser uma opção. E assim, tendo trabalhado para a Guild Of Students no setor da música ao vivo – ajudou a colocar Coldplay no mapa de Liverpool, na fase inicial da sua carreira profissional –, Rosie tornou-se publicista musical, uma experiência que provou ser menor.
«Era como se, de alguma forma, estivesse na indústria musical mas, curiosamente, foi essa experiência que me desmotivou», suspira. «Chegada aos 20 e poucos anos, achei que me estava a corroer a alma. Além disso, ser uma mulher na indústria da música ao vivo torna o campo um pouco inclinado. Então, acabei por pensar para que servia tudo aquilo? Passei todo este tempo envolvida na música e para quê? Na altura, senti-me algo desiludida, por isso mudei-me para Espanha durante alguns anos, para acertar as agulhas».
Foi esta mudança que começou a desvendar o puzzle de qual seria o seu lugar na música. Voluntariando-se em grupos educativos locais em Espanha, Rosie criou algumas aulas de música em Inglês e Espanhol para crianças em idade pré-escolar. De regresso ao Reino Unido, voluntariou-se com o inclusivo grupo de teatro progressivo Chicken Shed, ao mesmo tempo que trabalhou para o grupo de apoio Help Musicians UK, que ajuda músicos que enfrentam dificuldades. De facto, foram os seus esforços com este grupo que lhe abriram a mente a novas possibilidades e oportunidades.
«Esse interesse pelas coisas permitiu-me ver realmente todo o leque e difusão de pessoas na nossa sociedade e que pessoas diferentes precisam de ajuda em alturas diferentes», diz Rosie. «Senti uma ligação forte».
Enquanto que o tempo de Rosie com a Help Musicians UK a ajudou a poupar os fundos necessários para estudar para um mestrado em Musicoterapia na Universidade Anglia Ruskin, as experiências da sua mãe como advogada e assistente social ajudaram Rosie a desvendar outra parte do puzzle.
«Ela tinha uma cliente cujo jovem filho era autista», desenvolve Rosie. «A mãe comentou que não dava para acreditar no impacto que a música estava a ter no seu filho, no que respeitava a ajudá-lo a comunicar. E, por qualquer razão, isso ficou-me gravado.
Fiz algum voluntariado com grupos locais utilizando sessões de percussão com materiais reciclados para jovens adultos com deficiências. Pensei, 'isto é interessante – estou a usar as minhas capacidades musicais para ajudar pessoas!'»
Foi nesta altura que Rosie percebeu para onde se dirigia. O puzzle estava a completar-se.
«De repente, fez-se luz», diz sorridente. «Estava a pensar em fazer trabalho social. Queria ajudar pessoas e depois, quando olhei para a terapia musical, pensei: 'isto é óptimo! Todos aqueles anos de a aprender e a tocar, não perdi toda essa experiência!'. Aqui estava uma forma de poder usar isso para ajudar pessoas. No momento em que entrei no mestrado, estava definitivamente decidida que era aqui que queria estar – parecia a coisa certa».
Essa sensação de dar o passo certo, na altura certa, foi confirmada quando Rosie assumiu um cargo no Royal Hospital For Neuro-disability, em Putney, no sudoeste de Londres. Ela não só teve a oportunidade de receber formação adicional mas, enquanto terapeuta musical recém-qualificada, também experimentou aquilo que afirma ser um evento que mudou a sua vida.
«Foi a primeira vez que lidei com pacientes em coma ou com alteração do estado de consciência, como dizemos, e como isso é absolutamente angustiante e horrendo para as famílias envolvidas», começa por dizer. «Numa das primeiras sessões que realizei com um paciente, a família disse: 'Esta é a lista de canções que ele realmente adora'.
«Tive uma orientadora fantástica aí, chamada Dra. Wendy McGee, que me ensinou como se pode começar a fluir com as pessoas e a fazer a música sincronizar com a respiração do paciente e ver, de facto, a respiração de alguém a acalmar. Assim, embora as pessoas não sejam fisicamente capazes de dar uma resposta, quando combinamos a música, começamos a ver estas alterações nas frequências respiratórias».
Rosie prossegue: «Estava a reproduzir um tema dos Genesis para o paciente e o seu dedo mexeu. Apenas um movimento e não tinha a certeza se se tratava de um movimento consciente ou involuntário. Olhei para a sua mãe e ela tinha lágrimas nos olhos. Deixei o tema prosseguir, sem fazer grande aparato, e vi o seu dedo a mexer-se novamente. Enquanto a sessão continuou, não vi mais respostas, então perguntei à mãe no final, 'Sente-se bem?' e ela respondeu, 'Não posso acreditar! Ele nunca tinha feito isto'».
Sob orientação da Dra. McGee, Rosie compreendeu que determinar se esta era ou não uma resposta intencional era algo que iria levar tempo.
«Muitas vezes, os progressos destes pacientes são minúsculos mas, para uma família, saber de facto que essa pessoa persiste de alguma forma e consegue estabelecer uma ligação a um único movimento, pode ser bastante intenso», diz Rosie. «Penso que isso sempre se manteve comigo e foi parte da razão do que me levou a criar a Chiltern».
Ao completar o seu mestrado, as experiências frustrantes de Rosie ao trabalhar como musicoterapeuta e lidar com a burocracia do SNS, mostraram-lhe a necessidade de criar a Chiltern Music Therapy. Por demasiadas vezes, ela percebeu que a musicoterapia estava limitada a apenas uma área de especialização e localizada num determinado hospital ou área geográfica, enquanto a burocracia retardava a evolução do seu trabalho com os pacientes.
«Podem encontrar-se terapeutas musicais no SNS, mas possivelmente estarão apenas a tratar casos de demência, e noutras dependências podem encontrar-se terapeutas, mas estarão apenas a trabalhar em dificuldades de aprendizagem ou no foro da saúde mental", explica.
Além disso, um grande número de casos são encaminhados para terapia mais tarde do que seria recomendável: «Essa foi a semente da ideia, perguntar: 'Porque é que as pessoas só conseguem aceder a estes serviços quando o seu estado é considerado suficientemente grave? E se tratássemos as pessoas em casa? E se viajássemos para onde quer que elas estejam? E se funcionássemos na comunidade que as pessoas possam acompanhar'?»
Essas perguntas seriam respondidas, eventualmente. Ao longo dos seus 10 anos de existência, a Chiltern Music Therapy expandiu-se exponencialmente para fornecer conhecimento e experiência para cobrir todo o ciclo de vida, desde lesões congénitas e cuidados intensivos neonatais até aos cuidados do fim da vida. E ainda que Rosie e a sua equipa prestem os melhores cuidados possíveis utilizando a música para enriquecer a vida dos seus pacientes, ela reconhece que o poder desta ainda permanece envolto em mistério.
«Penso que existe algo intrinsecamente singular na forma como o cérebro processa a música, pelo que se obtém o aspecto neurológico e também o aspecto emocional», explica. «O interessante e aquilo que ninguém ainda sabe é como funciona essa ligação emocional com a música. Não é totalmente compreendido, mas penso que isso não importa».
«O que gosto na música é que se pode pegar numa composição como "Adagio For Strings" de [Samuel] Barber e algumas pessoas podem ouvi-la e chorar e considerar que é uma canção bastante melancólica, enquanto outras pessoas a ouvem e pensam que é adorável e relaxante. Não se pode dizer às pessoas como se devem sentir em relação a uma canção que está ligada a tantos pedaços da sua própria vida. É fascinante».
O que está para lá de qualquer dúvida são as mudanças positivas de perspectiva em relação à terapia musical, que Rosie testemunhou na última década. Além do aumento de consciencialização da sua existência e do poder da música, a sua equipa foi capaz de formular respostas e acções específicas para uma série de desafios que talvez não se pensasse serem possíveis.
Portanto, quais os feitos da Chiltern Music Therapy que mais orgulham Rosie?
«Provavelmente, a equipa que temos», responde Rosie sem falsas modéstias. «São bastante parecidos com uma família. Ter músicos e terapeutas juntos é algo único, porque todos são naturalmente empáticos e todos consideram os sentimentos dos outros muito naturalmente».
«Trabalhamos com pessoas complexas e pessoas que estão à margem da sociedade. Aquilo de que equipa é capaz é uma enorme façanha».
E ao fazê-lo, Rosie Axon e os seus restantes colegas na Chiltern Music Therapy podem ansiar por criar vagas por muitos mais anos usando a música para melhorar a qualidade de vida dos seus pacientes. Tal é o poder e a natureza profundamente comovente da música.