Entrevistas Yamaha Make Waves : Cesare Picco

Por Teri Saccone

(Creditos @ray.tarantino)

Sentado na sua casa, em Milão, Cesare revela-se um belo comunicador, apesar de o Inglês não ser a sua língua nativa. É imediatamente evidente que os elementos que sustentam a sua inovação são a sua humildade, sabedoria e despretensiosismo.

Música: Uma Força Unificadora

A história de Cesare ilustra a irmandade que, universalmente, nos une enquanto músicos e fãs. Mostra-nos o impacto que tem e o quão determinante é a música nas nossas vidas.

"Cresci em Vercelli, no Norte de Itália, perto dos campos de arroz. Pode-se imaginar o horizonte ali: é muito plano, muito nebuloso no Inverno, é um lugar bastante melancólico e poético “descreve, contemplativamente..

Criado numa família musical, Cesare afirma que foi a sua mãe a incutir-lhe disciplina. "Todos os dias tinha que praticar, no mínimo, durante uma hora. Depois disso, podia tocar o que quisesse. Ela foi também a minha primeira professora, quando comecei com quatro anos de idade. Ambos os meus pais eram músicos clássicos não profissionais, por isso havia um piano de cauda em casa. Comecei a adorar o piano devido à abordagem da minha mãe, que transformou o piano num jogo, no qual a música e os sons estavam lá para serem descobertos e apreciados. Aprendi a reconhecer todos os compositores clássicos na rádio e comecei a escrever o alfabeto musical antes do alfabeto italiano."

Em criança, Cesare reimaginou a estrutura física do piano como o seu espaço de brincar. "Passei muitas horas debaixo do piano, transformando esse espaço no meu quarto, cheio de brinquedos, almofadas e cobertores. Percebi, já em idade adulta, que ouvir o meu pai tocar quando estava deitado debaixo do piano deixou uma impressão musical muito especial: ouve-se um som vibracional e irreproduzível dessa forma. E agora, durante as minhas masterclasses, peço aos alunos que ouçam o piano dessa forma. É a melhor maneira para sentir as vibrações das cordas. Como pianistas, temos tendência para ouvir os sons que fazemos à nossa frente. Mas por baixo é como ouvir piano com auscultadores.

Progresso Pessoal

O desenvolvimento pessoal vem com o tempo e a experiência, tal como a nossa própria evolução musical. Quando mantemos os nossos ouvidos abertos, podemos aumentar as nossas capacidades criativas. Ouvir música nova pode ser útil a este respeito. Cesare ilustra isto através das suas próprias experiências.

"Todos os Domingos," começa por dizer. "Ouvi o meu pai tocar na igreja – ele converteu-se ao protestantismo antes do meu nascimento – e cantávamos música coral alemã todos juntos. Penso que o meu amor por Bach cresceu a partir daí. Tocava música clássica, frequentava a escola de música da cidade e participava também em concursos de piano."

Apesar das suas capacidades musicais inatas e do seu empenho em desenvolver o seu talento, Cesare deixou de tocar durante um breve período. "Talvez me tenha aborrecido, por isso, aos onze anos de idade, deixei de tocar piano durante cerca de seis meses. Lembro-me que os meus pais não compreendiam que preferisse jogar basquetebol ou ténis durante esse tempo. No entanto, continuei a ouvir muitos tipos de música. Através dos álbuns do meu irmão mais velho descobri Patti Smith, The Ramones, The Police, Genesis e os Caravan – os meus preferidos."

Cesare sentiu-se renovado ao descobrir o jazz. Saindo das nossas zonas de conforto, maximizamos o nosso potencial para prosperar de forma criativa.

"A minha vida mudou completamente aos 12 anos, ao ouvir um álbum de Bill Evans que encontrei na loja de discos onde, por vezes, o meu pai tocava," recorda. "Abriu-se um novo mundo diante de mim ao ouvir o som daquele trio, por isso voltei ao piano, para tentar tocar daquela forma."

Pouco tempo depois, Cesare tornou-se fluente em novos rudimentos musicais.

"Um professor privado, Dante Destefanis, alargou os meus horizontes," lembra. "Ensinou-me contraponto e composição e tinha um piano, um órgão e um cravo para as aulas. Passei três anos da minha vida entre as leis da harmonia e muitas transcrições desafiantes. Ele abriu uma porta diante dos meus olhos, aprendi a não ter fronteiras ou preconceitos musicais.Pelo contrário, a boa música estava em todo o lado: Coltrane, Chopin, Bartok, Ravel, Gershwin, música barroca e renascentista. Sentia-me extasiado."

Quando se tornou profissional, aos 16 anos de idade, Cesare começou a colaborar com músicos locais, expandindo o seu léxico musical através da improvisação. "Isso é uma força motriz na minha música," refere entusiasticamente. "É um elemento absolutamente crucial. As pessoas ouvem a palavra 'improvisação' e pensam no jazz. Mas a improvisação faz parte da música ocidental há séculos. A improvisação é uma prática de longa data, até Chopin a utilizou. A improvisação continua a ser um factor chave em tudo o que faço.

Rapidamente, Cesare começou a viajar internacionalmente, aumentando ainda mais o seu vocabulário musical. Também podemos expandir os nossos horizontes musicais sem pisar um avião nos dias de hoje, através da audição online ou em qualquer outro lugar de música que nunca ouvimos antes. As viagens de Cesare redefiniram as suas aspirações musicais. "Foram anos de curiosidade feroz," recorda. "Através das viagens, descobri mais géneros para me desafiar. Conheci músicos sul-africanos na Alemanha, com os quais toquei. A minha estreia no lendário clube do Ronnie Scott em Londres, em 1986, foi motivante."

Essa sua actuação ocorreu durante um intervalo num espetáculo de Hugh Masekela. "O público não me matou. Foi um bom sinal," recorda.

Convergência / A Viagem a Samarcanda

A música é livre de preconceitos ou fronteiras. As viagens de Cesare pelo globo foram instrutivas na sua música e perspectiva criativa, por contactar com pessoas de várias culturas e origens.

"Viajar e conhecer culturas diferentes são a minha forma preferida de fazer música nova." explica. "Fiz um projecto especial alguns meses após os ataques do 11 de Setembro. No início de 2002, o mundo muçulmano foi demonizado. Iniciei um projecto – juntamente com Alberto Giuliani, um amigo e fotojornalista espantoso –, uma excursão musical de Istambul a Samarcanda, metade da Rota da Seda. Estava munido apenas com um gravador e alguns Moleskine (cadernos de notas). O Alberto, claro, fez-se acompanhar das suas câmara fotográficas e de vídeo. Ao cruzar diferentes países, depois de alguns momentos tensos, a música uniu-nos verdadeiramente com os habitantes locais, acima de preconceitos e fundamentalismos. Tivemos encontros inesquecíveis com músicos espantosos no Teerão e noutras paragens. De regresso a Itália, compus música utilizando os sons da viagem, criando um espectáculo com vídeo e fotografias. Os resultados desta viagem são encontrados em "Journey to Samarkand"."

O Japão provou ser um catalisador criativo ainda maior para Cesare.

"Fiquei fascinado com a cultura japonesa em 2006, quando comecei a tocar a minha música no Japão. Fiquei estupefacto por esgotar a minha estreia no The Blue Note Tokyo e o amor por esse país e pelas suas pessoas permanece profundamente enraizado em mim. O resultado disto é "Tale of Genji", um projeto para piano e orquestra de cordas. O meu projecto de inspiração japonesa "Spirit of the Piano" é uma curta-metragem rodada durante uma viagem pelas fábricas da Yamaha no Japão."

No seu íntimo, Cesare é um fornecedor de sons. Eles alimentam a sua imaginação. A sua natureza inquisitiva ajuda-o a descobrir novos sons. "Penso que o som é o mais importante dos sentidos," explica. "Confio mais no som do que nas palavras porque não só é o meu trabalho como sei que o som e a música são compreendidos em todo o o mundo, atravessando várias culturas e línguas."

Cesare notou uma paisagem sonora diferente na sua cidade natal em 2020: Menos gargalhadas, menos automóveis. A capital viu-se afectada por uma marcante alteração na energia.

"Os sons em Milão mudaram tanto,” observa. "Agora há muito mais silêncio, no entanto este é estilhaçado por sirenes de ambulância, vibrações negativas e uma sensação de medo. Teatros, clubes, bares e museus estão agora fechados pela segunda vez durante este tempo terrível. Os músicos são forçados a vestir outra pele."

Música Como Forma de Expressão

Quer a criemos, estudemos, ou a escutemos, a música é expressiva. Cesare tem feito música à distância enquanto colabora com outros através da tecnologia durante o ano 2020.

"Pedi à minha equipa para colaborar – utilizando a web – fazendo música separadamente, mas em conjunto."

Tendo composto para ballet, ópera, teatro e televisão, Cesare compreende verdadeiramente a perigosa falta de financiamento para as artes em Itália (e nas nações ocidentais, em geral), oferecendo um ponto de vista relevante sobre este assunto.

"É um momento difícil para as artes em Itália, apesar de a nossa nação ser abençoada com tanta cultura e talento. O concerto de streaming gratuito trata-se de um modo de escárnio porque a música deve ser paga. Músicos – como pintores, poetas, etc. – precisam de ganhar com o seu trabalho. Devem ser mais apoiados. O nosso papel na sociedade deve ser valorizado."

A Pureza do Som: Um Concerto na Escuridão

Considerando o seu apreço pelas possibilidades transformadoras da música, não é surpresa que Cesare tenha concebido o projecto Blind Date – Concert in the Dark, em que partes dos seus concertos de piano ao vivo estão imersas na escuridão total, forjando uma singular experiência íntima.

"Em 2009, concebi a ideia para estas actuações de piano. Queria que as pessoas ouvissem música sem quaisquer distracções. Não há necessidade de o público me ver, além de que não ver o teclado encoraja a minha improvisação. Apenas som puro, permitindo-nos a todos chegar ao nosso âmago. A prática da meditar enquanto toco na escuridão aproxima-me de uma espiritualidade do som no núcleo da minha música. O importante era conseguir o momento certo, tanto da luz como da escuridão. Assim, após a audiência estar sentada, levamos entre sete ou oito minutos a passar gradualmente da luz para a escuridão. Depois toco na escuridão total durante 30 minutos. Então, trazemos gradualmente a luz de volta, como o sol a nascer lentamente ao amanhecer. Cada um dos concertos tem sido muito bom. Percebi desde o primeiro espectáculo que esta experiência engendra significados diferentes para pessoas diferentes."

Responsabilidades Sociais e Éticas

Devido aos seus laços tanto com os desfavorecidos como com os deficientes físicos, Cesare ajudou a formar a CBM, uma instituição de caridade que ajuda as pessoas com deficiências visuais nos países em desenvolvimento.(https://www.cbmitalia.org/)

"A Yamaha Music Italy tem estado ao meu lado desde 2014, apoiando-me com a CBM Italia, uma organização internacional de desenvolvimento dedicada a transformar vidas de pessoas com deficiência que vivem na pobreza. Orgulhamo-nos muito ter envolvido mais de 50.000 pessoas com a digressão italiana da Blind Date. A principal missão da CBM através dos eventos "Blind Date Concert" é melhorar a restauração da visão. Há um tipo de cirurgia de catarata que ajudamos a concretizar."

Há uma simetria óbvia e alegórica com o "Blind Date Concert", fazendo emergir a luz e som pela escuridão.

Apesar das suas várias conquistas, Cesare permanece humilde e grato. Há uma componente espiritual tácita dentro de si e da sua música, tornando-o não só um mestre músico, mas também um mestre zen.

(Créditos @matteo.girola)


LINKS RELACIONADOS:

Webisite de Cesare Picco
https://www.cesarepicco.com/

Website de CBM Itália
https://www.cbmitalia.org/