Artist Insights com Benjamin Mellefont
Sobre Profissionalismo
Diz-se frequentemente que há muito mais músicos talentosos do que oportunidades para se tornarem profissionais. Há provavelmente mais graduados bem preparados a emergir a cada ano do que nunca, todos a esforçarem-se por entrar numa indústria musical cada vez mais competitiva e saturada. Se tantos músicos são substituíveis – e m virtude do seu carácter – acredito que uma qualidade que os distingue e os mantém a trabalhar é o profissionalismo.
Sinto que na música, o profissionalismo refere-se a várias coisas diferentes. Quero abordar alguns aspetos que penso serem importantes. Esta não é de modo algum uma lista exaustiva, mas algumas áreas que fizeram sentido para mim desde que me tornei profissional. Uma pesquisa rápida no Google define profissionalismo como «a competência ou capacidade esperada de um profissional». Se aplicarmos esta tese diretamente à música, pode parecer uma descrição superficial: uma que se centra apenas nas qualidades técnicas ou musicais de um intérprete. Com os actuais padrões elevados da indústria, podemos quase considerar o carácter como um dado adquirido quando falamos de profissionalismo. Creio que engloba muito mais do que isto.
As coisas óbvias
Estar preparado -
O primeiro e mais evidentemente óbvio pilar do profissionalismo é o dever estar preparado para tocar a música que é pedida; a um nível igual ao dos colegas que irão tocar a seu lado. Vivemos numa época em que é possível localizar e ouvir dezenas de gravações da maioria das obras num instante ou aceder gratuitamente a uma riqueza de partituras. As gerações anteriores de músicos tiveram de gastar muito tempo e dinheiro para encontrar os seus materiais antes do primeiro ensaio, agora praticamente não há desculpa para não ter a música preparada. Se é uma peça de música nova, com apenas a partitura para ajudar a prepará-la, pode literalmente pesquisar-se no Google a palavra 'metrónomo' e ver surgir gratuitamente este dispositivo no ecrã do computador. Estar bem preparado para um ensaio significa que se pode passar mais tempo a usufruir da forma de tocar a música, em vez da preocupação com a sua aprendizagem no momento. Uma boa preparação estende-se também aos componentes específicos do instrumento. Suponhamos que, na véspera de um ensaio, sobra uma única palheta bastante desgastada e, de repente, uma mudança na humidade a torna inutilizável... a culpa recai em si, por estar mal preparado, não na meteorologia!
Ser pontual -
A pontualidade é outra prática indispensável que ainda escapa a muitas pessoas. Se houver um ensaio às 10 horas e sabendo que, no pior dos casos de comboios cancelados e de tráfego intenso, é preciso uma hora e meia para lá chegar, planeie-se uma hora e meia. Crie-se o hábito de usufruir do "tempo pessoal" livre de stress permitido por chegar cedo – desfrute de um café, sabendo que pode aquecer com o seu instrumento sem problemas, nos seus próprios termos. É claro que o inesperado pode acontecer com os atrasos, mesmo quando se parte para um ensaio com as melhores intenções – um comboio avariado ou uma emergência pessoal, por exemplo. Todos os colegas razoáveis compreenderão que estas coisas podem acontecer a qualquer um; basta informar a pessoa responsável de que se atrasará ou se ausentará com a maior antecedência possível. A pontualidade deve estender-se também à comunicação em geral. Se alguém o contactar para algum trabalho, responda assim que for possível. Tenha em mente que provavelmente têm cerca de 100 vezes mais e-mails a tratar...
Os aspetos humanos
O respeito na sala -
Esta é uma área mais cinzenta no profissionalismo. Claro que a cortesia ou a empatia devem fazer parte da nossa maneira de ser, mas podem ser menos compreendidas num ambiente profissional, uma vez que não são qualidades oficialmente ensinadas: espera-se que as pessoas as aprendam na "escola da vida". E, certamente, chegam a uns mais naturalmente do que a outros. Num ambiente musical profissional, trata-se de compreender os sentimentos e sensibilidades das várias personalidades com as quais se está a trabalhar. Um exemplo óbvio:
Na orquestra, não se sente ao lado de alguém e pratique os seus solos no intervalo do ensaio! Mesmo que as suas intenções não sejam competitivas, nunca será bem visto! Outro: se não avaliar positivamente a interpretação de outra pessoa no conjunto, não exprima publicamente os seus sentimentos negativos. Se essa pessoa tiver conhecimento, ela vai sentir-se ofendida e envergonhada. Tocar está ligado às nossas identidades, afinal de contas, e então acabará por ser visto como um rufia. No meu primeiro trabalho de orquestra, vi um membro relativamente recente comportar-se desta forma. Essa pessoa perdeu amigos muito rapidamente.
Alternativamente, se tiver a oportunidade de elogiar a execução de alguém porque a apreciou genuinamente, deve fazê-lo. Tocar partes mais expostas pode ser stressante e elogiar alguém pode ser bastante encorajador e contribuir para uma boa atmosfera na sala. Escusado será dizer para não lisonjear alguém gratuitamente. Os bajuladores são irritantes e transparentes.
Se tem uma crítica construtiva para fazer a um colega, deve favorecer a diplomacia em vez de uma abordagem «eu estou certo, tu estás errado». Se se encurralar alguém sobre como está a tocar algo, é pouco provável que depois se toque essa mesma passagem livremente e com confiança (alguns maestros poderiam fazer bem em lembrar-se disto também!). Lembre-se também que se for um convidado ou músico ocasional num grupo, a antiguidade e a experiência contam muito e devem ser respeitadas. Se achar que um colega pode melhorar uma passagem, dê-lhes o espaço e tempo para o fazerem, tal como esperaria que fizessem consigo.
Cortesia:
Há também alguns tipos mais subtis de profissionalismo. Eis um exemplo do tipo de cortesia que refiro: no nosso mundo orquestral há o bom hábito de pagar uma rodada de chás ou cafés no intervalo do ensaio – ou bebidas após um concerto. Faz sentido uma pessoa – rotativamente – comprar três ou quatro cafés (ou imperiais) para toda a sua secção: poupa uma longa espera na fila, no intervalo. Nunca passa despercebido quando alguém consegue escapar à sua "rodada" várias vezes seguidas, por vezes acidentalmente, mas por vezes por pura mesquinhez. Se, realmente, não se pode dar ao luxo de pagar três cafés, é importante esclarecer às pessoas envolvidas que a sua carteira é leve: elas vão compreender! Caso contrário, empenhe-se nesses pequenos gestos de generosidade que tornam a vida dos seus colegas um pouco mais fácil. Isto provavelmente soa insignificante e sem relação com a música, mas faz tudo parte de ser uma pessoa com a qual é fácil trabalhar.
Ao terminar esta peça, percebo que há tantas coisas - óbvias e subtis - que tornam um músico alguém de confiança. Deixei de fora muitos outros aspectos do profissionalismo, por isso, em geral, diria que deixassem o senso comum e os vossos melhores valores guiar-vos.
Benjamin Mellefont
Benjamin Mellefont é o Clarinete Principal da London Philharmonic Orchestra e, anteriormente, ocupou a mesma posição com a Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, com a qual também figurou como solista. Também tocou como Convidado Principal em muitas das orquestras no Reino Unido e na Austrália. Quando não está a tocar clarinete, gosta de produzir música electrónica, e pode ser encontrado ocasionalmente como barista em cafetarias e mercados de Londres.