À conversa com Miguel Costa
Yamaha: Agora que passaram alguns meses - daquela que foi a 3ª consecutiva - do Clarinete Summer School e paralelamente o Seixal Clarinet Competition como descreve estes eventos? Miguel Costa: O Clarinete Summer School e o Seixal Clarinet Competition têm objetivos comuns e complementam-se já que ambos se destinam sobretudo a crianças e jovens estudantes de clarinete e têm por finalidade estimular o trabalho individual com vista ao seu autoaperfeiçoamento. Obviamente que depois divergem muito nos seus formatos já que o Clarinete Summer School é um curso intensivo e o Seixal Clarinet Competition é uma competição. O Clarinete Summer School by Miguel Costa apresenta-se como um projeto pedagógico, complementar à formação desenvolvida ao longo do ano, tendo como principal finalidade trabalhar e desenvolver de uma forma mais intensa as capacidades técnicas e artísticas dos seus participantes. Tem ainda como objetivos contribuir para desenvolver e aperfeiçoar a performance a nível técnico e artístico, incentivar e dotar os alunos de ferramentas a utilizar no seu trabalho individual com vista ao seu auto aperfeiçoamento através de aulas técnicas individuais e coletivas que permitam a partilha de experiências, ateliers criativos, tertúlias e debates sobre os mais variados temas com vista a sensibilizar e despertar o pensamento crítico e a criatividade dos participantes. O Seixal Clarinet Competition by Miguel Costa pretendeu na sua primeira edição criar a oportunidade para os estudantes de clarinete se apresentarem num ano em que quase todas as apresentações foram canceladas ou à distância e com isto aumentar o grau de motivação para o estudo autónomo a desenvolver no terceiro período escolar e foi também um "ensaio" para a próxima edição que pretende introduzir novos elementos na competição que sejam ainda mais desafiantes para os candidatos o que implica mais categorias e um maior número de candidatos, uma logística incompatível com a situação de saúde pública em que vivemos.
Yamaha: Sobre o Seixal Clarinet Competition, não sendo a música uma competição, qual a importância deste tipo de concursos para os jovens emergentes? Miguel Costa: Vou repetir-me ao dizer que esta primeira edição pretendeu sobretudo criar a oportunidade para os estudantes apresentarem o trabalho que arduamente fazem ao longo do ano, sendo que este ano ainda de forma mais difícil já que parte dele foi feito em confinamento. Todos os meus colegas professores sabem o quão difícil foi mantê-los motivados e focados com aulas síncronas (recheadas de limitações e peripécias). Portanto, trabalhar para um objetivo concreto ajuda imenso no "ingrediente" principal: a motivação para o trabalho autônomo. Creio que para os jovens emergentes os concursos são por um lado um excelente objetivo para estimular a motivação para um trabalho individual árduo e diário que promova o seu autoaperfeiçoamento e por outro lado são uma excelente montra para as suas competências performativas. Voltando a uma expressão da pergunta "não sendo a música uma competição" que efetivamente não o é e esta competição veio comprovar isso mesmo. Foi possível ao longo da competição assistir a partilhas fenomenais em todas as faixas etárias: vi adolescentes a aquecerem juntos e a afinar; um miúdo a oferecer uma palheta a outro para ir tocar porque a dele se partiu; vi um grupo de concorrentes da categoria YAMAHA que competiam pelo melhor e mais ambicionado prémio juntarem-se para ir conhecer o Seixal, partilharam alojamento, boleias e vindos de lugares diferentes. Portanto, MÚSICA É PARTILHA seja ela revestida pela dinâmica de um curso, de uma competição, de um concerto ou de uma simples aula!
Yamaha: Apesar da pandemia, foi possível realizar o evento e reunir um número considerável de participantes. A que atribui este sucesso? Miguel Costa: Relativamente ao Clarinete Summer School by Miguel Costa creio que o sucesso desta edição vem no seguimento das duas edições anteriores. Os participantes das edições anteriores voltaram a participar e recebemos novos participantes que vieram referenciados por outros participantes e por colegas professores de clarinete a quem estou grato pela generosidade e reconhecimento do meu trabalho. Já o Seixal ClarinetCompetition by Miguel Costa creio que o sucesso se deveu por um lado à divulgação da competição que apesar de ter sido anunciada tardiamente foi massiva e para isso contámos com a ajuda incrível dos nossos parceiros, nomeadamente a YAMAHA. Por outro lado, acredito que as crianças e jovens estudantes de clarinete que participaram estavam ávidos por momentos em que pudessem mostrar as suas capacidades performativas.
Yamaha: O Miguel Costa é já um valor no panorama do clarinete em Portugal, qual é o segredo de uma carreira tão consistente e em que projetos está a trabalhar atualmente? Miguel Costa: Acredito que todos nós temos muito valor no panorama do clarinete em Portugal, tal como diz o slogan da APC somos “um país de clarinetistas” (e eu acrescento) incríveis. O meu segredo, que não é segredo nenhum porque eu “prescrevo” esta “receita” a todos os meus alunos, passa por fazer um trabalho diário, árduo e honesto no meu caso aliado a uma enorme paixão pela música. Tenho a sorte de poder integrar vários projetos próprios e de outros que me enriquecem e desafiam enquanto músico. Relativamente aos projetos próprios vou destacar os “Krone” que surge em tempos de confinamento, trata-se de um duo de clarinete e acordeão que idealizei com o Fernando Brites durante a digressão da “Menina do Mar” que fizemos com o MPMP. Talvez por se tratar de um duo logo após o desconfinamento surgiram algumas oportunidades para fazer concertos que tiveram uma extraordinária aceitação do público. Felizmente temos concertos agendados e espero ter grandes novidades para apresentar em 2022 relativos a este projeto. Ainda no campo dos projetos próprios vão surgir outros eventos sob a chancela “by Miguel Costa” diferentes e complementares aos já existentes Clarinete Summer School e Seixal Clarinet Competition. Ainda em 2021 esperamos conseguir realizar o Christmas School Band by Miguel Costa com um conceito diferente e que abrange outros instrumentos para além do clarinete. Em paralelo aos projetos próprios mantenho a colaboração com o MPMP que me tem permitido constantemente desafiar e crescer enquanto músico já que tanto posso estar a tocar música contemporânea a solo num concerto intimista numa galeria, como música clássica ou contemporânea em ensamble quer seja num concerto quer seja inserido numa peça de teatro ou ópera. Em suma, a colaboração com o MPMP é extraordinariamente enriquecedora e permite-me ser mais um elemento a contribuir para o fantástico trabalho que a associação tem vindo a desenvolver.
Yamaha: Como descreve a nova geração de clarinetistas? Temos o futuro assegurado? Miguel Costa: Eu acredito que temos o futuro assegurado. Acredito porque a formação é cada vez melhor, há cada vez mais oportunidades de obter conhecimento com professores a uma escala global, as oportunidades de trabalho são também elas globais e porque assisto a uma vontade incessante de “fazer acontecer”. Não sei se sempre assim foi, mas a verdade é que as redes sociais fazem-nos chegar inúmeros projetos que aqui e ali se vão concretizando quer seja na área da formação quer seja de carácter performativo. Acredito que as proliferações destes projetos enriquecem e educam culturalmente as comunidades por eles abrangidas. Portanto, temos futuro!
Yamaha: Qual o conselho que daria aos jovens que se querem iniciar na música e no competitivo mundo dos concursos? Miguel Costa: Vou repetir a “prescrição” da “receita”: um trabalho diário, árduo e honesto! Aos que são estudantes sugiro que aceitem a orientação dos professores porque nós professores desejamos o sucesso de cada um deles; sugiro que escutem muita música, que procurem informação sobre essa mesma música (quem escreveu? Quando? Qual a influência do momento social e histórico?) e refletir sobre a música para construir a sua interpretação e assim poder oferecer a “carga emotiva”, a mensagem a quem a vai escutar a sua própria interpretação. A quem se quer iniciar no mundo dos concursos acrescento que os encarem apenas como “o motivo ou motivação” para dar continuidade ao trabalho autónomo, tocar da forma que sentem a música e não da forma que pensam que o júri vai querer ouvir e sobretudo lembrar que nenhum resultado o define como músico. E acrescento ainda que devem aproveitar o momento para conhecer outros colegas, outras leituras das peças, debaterem ideias porque a música é partilha seja em que circunstância for.
Yamaha: Falando de clarinetes, conhece os clarinetes Custom da Yamaha? Miguel Costa: Conheço! Aliás, estou a ter a oportunidade de trabalhar com os modelos YCL-CSGIII e YCL-CSGAIII e têm sido meses de descobertas fascinantes. Na minha opinião são clarinetes com uma afinação muito equilibrada, têm características físicas, nomeadamente no tubo, que lhe dá muita ressonância, característica essa que vai ao encontro da forma como toco e no tipo de som que procuro. Ainda no que diz respeito ao som dos instrumentos identifico características que aprecio já que é muito focado, quente e fluido. Estas características conferem-lhes uma sonoridade única que se funde na perfeição com a de outros instrumentos. Considero que os instrumentos têm registos equilibrados e precisos o que os torna versáteis e sem limites sonoros. Sinto que são instrumentos de fácil resposta e que oferecem muito conforto quando tocados.
Yamaha: No que respeita à aprendizagem, motivação e evolução dos jovens estudantes, que importância atribui à qualidade do clarinete que têm disponível para estudar? Miguel Costa: Na minha opinião a qualidade do instrumento é um ponto fundamental na motivação e consequentemente na evolução das aprendizagens dos estudantes. Se um aluno tiver um instrumento que facilite e potencie o seu trabalho vai obviamente aumentar o nível de motivação do aluno porque obtém resultados mais rapidamente e normalmente quanto melhores os resultados obtidos, maior a motivação para continuar a trabalhar.
Yamaha: Gostaria de deixar alguma mensagem final? Miguel Costa: Talvez por ter aprendido música na banda, cedo percebi que a música não se faz sozinho, que a música é partilha, amizade e solidariedade. Portanto, esta minha mensagem final tem que ser de gratidão. E começo por agradecer onde tudo começou à Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense na pessoa do presidente, amigo e clarinetista Jacinto Sado que acolhe todos os eventos com entusiasmo. Foi nesta nossa casa (a Timbre) que encontrei a restante equipa os amigos e músicos Rodrigo Azevedo, Ângelo Borges e Ana Rita Vargas. Sentir o apoio dos amigos é bom mas quando vem de instituições com dimensões avassaladoras com as quais não existe relação é impossível não se ficar imensamente grato e neste sentido vem o meu agradecimento aos patrocinadores oficiais do Seixal Clarinet Competition: a gigantesca YAMAHA que tem tanto em dimensão como em “coração” e D. Caeiro que visivelmente multiplica esforços para apoiar uma panóplia de eventos. Ainda no âmbito institucional fica também o agradecimento à Câmara Municipal do Seixal e à Junta de Freguesia do Seixal na pessoa do seu presidente António Santos que é um exemplo do que deve ser um poder local e de proximidade. São estas parcerias que reforçam a minha convicção que devemos lutar pelos nossos projetos e certamente que a nossa visão vai estar alinhada com a visão de outros. Grato ainda pelo apoio da Associação Portuguesa do Clarinete que faz um trabalho incrível na promoção do instrumento, promove a partilha de experiências e une os clarinetistas deste país. A minha gratidão estende-se ainda ao MPMP que tem sido para mim uma fonte de inspiração onde querer é poder, onde aprendi que com trabalho e em equipa conseguimos concretizar projetos. O sucesso partilhado com amigos sabe sempre melhor e o sucesso do curso e da competição é inevitavelmente partilhado com os mentores e os membros do júri, portanto, estou grato ao meu querido professor e amigo Luís Gomes, ao inspirador professor Paulo Gaspar, aos eternos colegas e amigos João Pedro Santos, Hugo Azenha, João Ramos e Jacinto Sado. Por fim fica o agradecimento aos mais importantes, aos participantes e aos pais que confiam no nosso trabalho, que procuram aprender, evoluir e perseguem o mesmo sonho que eu, a música, a quem desejo um percurso musical tão feliz quanto o meu. Sei que a resposta foi longa e talvez aborrecida, mas tal como disse no início da resposta a música não se faz sozinho, a música é partilha e todas estas pessoas contribuíram para a concretização deste meu sonho! Grato!