Troll´s Toy 18:05

Os Troll´s Toy batalham uma música marcada pela suavidade e elegância, ora as de uma bailarina do Bolshoi, ora as de um elefante numa loja de porcelanas, sempre na iminência de estilhaçar conveniências.

É o sax de Gabriel Neves que os conduz, por entre o breu e a luz intensa. A evocação de Seamus Blake ou de Skerik não é directa, mas ouvimo-la nos momentos mais bélicos; Brecker também paira, sobretudo na paz, mesmo que nos escombros dos sentimentos (Azrail).

Na guitarra barítono está Jorge Loura, que é falsamente discreto nos recursos que gere, melódicos ou percussivos, como se lhe exige. A sensibilidade com que usa as duas faces em simultâneo torna-o no comparsa perfeito do saxofone, revelando essa empatia em diálogos romanceados ou em ensaios, como se Tolstoi criasse a partitura de um Rage Against Karenina (Neurotransmissor; Bullys Bolero).

O baterista João Martins é o joker do grupo, enfatizando diálogos, pontuando frases, fortalecendo o todo, empurrando os demais para fora da zona de conforto e iniciando caminhos que baralham qualquer GPS. A sua maturidade deixa-o a ponto de se assumir como regente deste caleidoscópio de sons (Mandatory 8 Count; Khat).

Da união do trio nasceu uma química desafiante que, apesar da tensão latente, exibe uma profunda amplitude. Aveiro é um exercício cinematográfico, impossível de dissociar de um pôr do sol nas águas da ria; já Derrota esconde a metáfora óbvia atrás da pulsão e de silêncios controlados, adensando o suspense.

Em jeito de prólogo e epílogo, 1804 e 1806 balizam uma viagem que enriquece quem nela embarca sem saber para onde irá, como disse Theroux. A suprema ironia da colagem a este universo literário está no facto de Guerra e Paz assentar numa teoria fatalista da história. Pois bem, 18:05 faz exatamente o oposto, exaltando os caminhos alternativos ao padronizado como sendo possíveis.